sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A desindustrialização e o aumento da inovação

27/01/2011 - Luís Felipe Giesteira

Publicação: Valor Econômico

A quarta Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec) foi alvissareira para os responsáveis pela política de inovação tecnológica brasileira. Ao mesmo tempo trouxe dilemas instigantes, cuja elucidação determinará avanços adicionais.

Depois de renitentes sinais de ineficácia dos esforços que o governo federal e os estaduais vinham realizando desde 1999 para incrementar o esforço tecnológico das firmas brasileiras - e assim aproximá-las dos padrões competitivos típicos dos países desenvolvidos -, sólidos indicadores de avanços foram logrados. Curiosamente, esses avanços se dão em um momento em que crescem as evidências de decadência relativa da indústria de transformação, tanto no que refere a sua importância na economia quanto a sua força frente à concorrência externa.

O patamar de firmas inovadoras atingiu 38,6% (38,4% apenas nas atividades manufatureiras), contra perto de um terço nas Pintecs anteriores e 39% na média da União Europeia. O aumento significativo na proporção de firmas que inovaram em relação a todo mercado nacional, de 5,38% (4,97% entre as manufatureiras) para 6,80% (6,47%) do total, faz esse resultado ainda mais notável.

Coerentemente, o gasto empresarial em pesquisa e desenvolvimento (P&D), expresso como proporção da receita líquida de vendas, passou de 0,85% para 0,93% (0,66% para 0,75% na indústria de transformação). Pode-se utilizar essas informações para traçar comparações mais ilustrativas, já que o mais frequente internacionalmente é utilizar a relação entre P&D e Produto Interno Bruto (PIB).

Cruzando-as com as contas nacionais, pode-se estimar o P&D empresarial não universitário em 0,58% do PIB brasileiro de 2008. Como o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) calcula que outros 0,03% sejam realizados por empresas não compreendidas pela Pintec, é bastante provável que o setor empresarial brasileiro tenha se aproximado da marca cabalística de mais de 50% do P&D realizado no País, já que o total do P&D público atingiu 0,58% do PIB em 2008.

Sucesso criativo está concentrado em poucos setores, química pesada, inclusive refino de petróleo, e transporte

Ademais, ao perfazer algo como 1,19% do PIB (o Ministério estima 1,24% em 2009), o Brasil afasta-se significativamente do patamar típico de países industrialmente frágeis, os quais muito raramente ultrapassam 1%, enquanto países avançados como a Itália, Espanha, Canadá e Noruega se situam pouco acima ou abaixo de 1,5%. Na verdade, apenas China e Brasil o fazem de fato (na medida em que a Rússia tem seu dado fortemente enviesado pelo seu relevante mas atípico esforço militar), já que Índia, Turquia e África do Sul gastam 0,84% do PIB em P&D e os países hispano-americanos mais desenvolvidos gastam pouco mais de 0,5%.

O que explicaria que, depois de um longo período de estagnação dos principais indicadores de arrojo tecnológico empresarial, finalmente tenhamos avançado? Em primeiro lugar, a significativa aceleração do crescimento econômico, a qual costuma estimular a inovação, sobretudo quando acompanhada de melhora das perspectivas a longo prazo e de aumento do investimento. Em segundo lugar, o veloz aumento da intensidade da política nacional de indução ao esforço tecnológico, recentemente avaliada como a segunda mais arrojada entre os países ocidentais. Por outro lado, é paradoxal o fato de que vem se assistindo a uma deterioração significativa e acelerada da competitividade da indústria nacional, ainda mais notável justamente nos setores de maior intensidade tecnológica.

A elucidação dessa conjunção de constatações díspares tem de ser buscada na peculiar situação de a indústria de transformação brasileira ser relativamente inovadora e arrojada tecnologicamente apesar de ao mesmo tempo ser (cada vez mais) frágil justamente nos setores que tradicionalmente mais investem em P&D e inovam.

Ocorre que o sucesso inovativo brasileiro está concentrado em poucos grupos de atividades: a química pesada (inclusive petroquímica e refino de petróleo) e material de transporte (inclusive aeronáutica). Esses dois conjuntos representaram mais de 60% de toda P&D industrial brasileira em 2008 (contra 58% em 2005), em contraste com os menos de 25% nos países desenvolvidos.

Tal desproporção é explicada apenas em parte pelo fato de as empresas brasileiras desses setores serem excepcionalmente arrojadas (puxadas, sobretudo, pela Petrobras na química e pela Embraer em material de transporte). Na verdade, as firmas brasileiras dos setores que tipicamente mais executam P&D e inovam internacionalmente - farmacêutica, eletrônica, aeronáutica e equipamentos de precisão - também costumam esforçar-se tecnologicamente muito acima da média geral. O que faz peculiarmente "fora do lugar" a distribuição setorial da P&D e da inovação no Brasil é o fato de que a química pesada "expandida" e material de transporte - setores de intensidade tecnológica intermediária - respondem por elevada parcela do PIB industrial brasileiro, ao passo que os setores tipicamente de elevada intensidade tecnológica não apenas são relativamente pequenos como estão perdendo participação no PIB.

Não há propriamente um paradoxo no fato de as empresas brasileiras estarem aumentando sua atividade tecnológica ao mesmo tempo em que cada vez mais nossa produção e nossas exportações são baseadas em bens de baixo conteúdo tecnológico. O que ocorre é uma disputa entre duas forças em direções se não opostas claramente concorrentes, na qual uma - a arrojada política de inovação tecnológica que ora praticamos, beneficiada por um ambiente favorável aos investimentos - vem prevalecendo sobre outra - a perda de peso econômico e de competitividade da indústria de transformação, sobretudo em ramos de alta intensidade tecnológica.

Embora os resultados alcançados pela política de inovação tecnológica sejam salutares e apontem para uma aproximação entre nossa crescente produção científica (que deve alcançar 3% dos artigos indexados de todo mundo em breve) e nossa atividade empresarial, sua articulação com uma política industrial norteada por critérios de intensidade tecnológica setorial acelerariam relevantemente sua efetividade econômica.

Luís Felipe Giesteira é especialista em políticas públicas e gestão governamental e doutor em teoria econômica pela Unicamp

Fonte: http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4022748151710530633

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